Se alguém tivesse me dito no início da minha carreira que a comunicação seria um dos pilares mais cruciais para o meu crescimento profissional, eu teria provavelmente soltado uma boa risada. Na minha cabeça, bastava saber codar bem, entender arquitetura, aplicar boas práticas e o resto se resolveria com o tempo. Eu queria baixar a cabeça e escrever código, abastecido a café e linhas de comando. “Ser técnico é o suficiente”, era o que eu pensava. Mas a realidade veio mostrar que não é bem assim.

[!IMPORTANT] — Você já sentiu o desconforto de compartilhar uma ideia que ninguém deu atenção, mas quando outra pessoa repetiu a mesma coisa, todos se interessaram?

Esse é um sentimento onde acredito que muitos de nós já enfrentamos na nossa área — e aposto que muitos aqui já passaram por isso também. No início da minha carreira, participei de uma reunião em que tentei apresentar uma ideia de arquitetura que, para mim, era claramente a melhor escolha. Todos ouviram com atenção, mas a proposta simplesmente não engajou. Pouco depois, outro colega expôs a mesma ideia, mas com uma abordagem mais polida e uma comunicação mais clara. A ideia foi aceita após uma discussão sobre a solução. Foi um choque perceber que, embora o conteúdo estivesse certo, eu tinha falhado na forma de comunicar. E ali entendi, na prática, que na nossa área não basta ter boas ideias — é preciso saber comunicá-las também.

Esse episódio foi meu choque de realidade: comunicação não é detalhe, é peça-chave.

O Mito do Dev Introvertido

Existe um estereótipo antigo — mas que ainda persiste — no mundo da tecnologia: o mito do dev introspectivo e genial, aquele que resolve tudo sozinho. E não estou falando do estereótipo que nossas famílias têm do “gênio” que arruma a impressora ou resolve problemas de computador. Estou falando daquele ideal dos devs para devs: o cara que trabalha no escuro, quietinho, como o Eliot de Mr. Robot ou o Neo de Matrix. Por muito tempo, eu quis ser exatamente isso porque achava que era isso.

Esse mito é tentador, especialmente para quem é de fato mais quieto e gosta de ser menos social. Crescemos ouvindo que o importante é dominar algoritmos, estruturas de dados, arquitetura limpa, testes automatizados…

E então, o mundo real chega.

Mundo real

Quando chegamos no mercado de trabalho, muitas vezes trazemos a mentalidade de que tudo se resume ao código — que o que realmente importa é saber programar e entregar soluções técnicas. Mas, com o tempo, começamos a perceber que a realidade é bem mais complexa. Participar de reuniões, planejar, discutir ideias e entender o contexto de um projeto vai muito além de abrir um pull request.

A gente percebe que o código, de fato, é apenas uma pequena parte de ser um engenheiro de software. Antes de chegarmos àquele momento de digitar a solução, muita coisa já aconteceu. A solução que vamos implementar foi discutida, planejada e validada por outras pessoas. Foram levantados os riscos, analisada a viabilidade, e decididos aspectos como a abordagem mais rápida, escalável e configurável. Em outras palavras, quando nos sentamos para codificar, não estamos começando do zero — estamos, na maioria das vezes, dando vida a uma solução que já passou por várias fases de análise e decisão.

Além do Código

Entender isso muda como vemos o nosso papel. Não somos apenas executores de código; somos parte de um processo colaborativo que envolve comunicação constante, alinhamento com diferentes áreas e um entendimento do impacto das nossas escolhas técnicas nos objetivos do negócio. O código é o reflexo dessas decisões e das conversas que ocorreram antes. E, muitas vezes, essas decisões não vêm exclusivamente de um aspecto técnico, mas de um equilíbrio entre negócios, prazos, custos e necessidades do cliente.

Se a gente acaba focando apenas no código e esquece todo esse background que vem antes, arriscamos — e é muito provável — de nos tornarmos invisíveis. Vamos acabar ali, sentados em nossas cadeiras, entregando tarefas a cada sprint, mas sem realmente impactar o projeto na totalidade, sem perceber as oportunidades que surgem ao se envolver mais nas discussões e decisões que acontecem antes da execução. Ao perdermos essa visão, corremos o risco de ser esquecidos, de ficar estagnados, sem avançar para novas oportunidades ou desafios dentro da equipe.

Portanto, cada linha de código que escrevemos carrega consigo um contexto que vai muito além da nossa tela de computador. Estamos, na verdade, moldando soluções a partir de uma visão estratégica e colaborativa, e isso é o que realmente nos dá visibilidade e crescimento na carreira.

Comunicação é Skill Técnica Também

Sim, é exatamente sobre isso. E não, comunicação não é sobre “falar bonito” — é sobre se expor, se expressar e conseguir ser entendido.

Se a gente, como devs, quer de fato crescer, abraçar oportunidades e evoluir na carreira, precisa entender de uma vez por todas: saber se comunicar é uma das principais habilidades técnicas da profissão. Não é um “extra”, nem algo reservado apenas para cargos de gestão — é uma skill fundamental, que impacta diretamente na forma como nosso trabalho é percebido, compreendido e valorizado.

No dia a dia, essa habilidade se reflete em várias situações que não envolvem apenas “conversar”:

  • Code reviews: Ser claro e objetivo ao explicar o motivo de uma mudança ou melhoria no código.
  • Pedir ajuda: Saber explicar um problema técnico de forma simples para obter a ajuda necessária.
  • Reuniões de alinhamento: Articular suas ideias de forma concisa e objetiva para que todos compreendam o queprecisa ser feito.
  • Feedbacks técnicos: Comunicar erros de forma construtiva e sugerir melhorias.
  • Lidar com não devs (PO, cliente, etc.): Traduzir conceitos técnicos para uma linguagem acessível.

É nessas horas que a comunicação vira uma ponte entre o que você sabe e o que os outros conseguem enxergar. E foi exatamente aí que caiu uma verdade dura: muitas vezes, eu sabia mais do que aparentava. Mas, por não saber expressar bem, parecia o contrário — e isso custava espaço, reconhecimento e oportunidades.

Aprender a me comunicar mudou meu trabalho. Não só passei a ser mais ouvido, como vi minhas ideias ganharem vida e impacto. E, principalmente, deixei de ser só um “executor técnico” e passei a ser alguém capaz de influenciar, colaborar e liderar. Porque, no fim, o código é importante — mas a forma como você o defende, explica e compartilha faz toda a diferença.

Então se você quer crescer na carreira, comece a treinar isso também. Porque saber se comunicar é tão estratégico quanto saber programar.

Você Não É Ruim em Comunicação, Só Não Treinou o Suficiente

Aí vem as frases clássicas que talvez muitos lendo isso estão se fazendo:

[!NOTE] “Ah, mas eu não sou bom em me comunicar…”

“Não sei explicar direito…”

“Fico nervoso, travo, esqueço tudo na hora…”

Se esse é o seu caso, deixa eu te contar uma coisa que devia ser óbvia — mas ninguém fala o suficiente: ninguém nasce sabendo se comunicar. Não é dom. É prática.

Comunicação é igual qualquer outra skill técnica: você aprende. Erra. Revisa. Testa de novo. E melhora.

Tipo aquele seu primeiro Hello World.

No início, parece bobo — só uma frase na tela. Mas pra quem tá começando, aquilo é um universo novo. É o primeiro passo pra entender como o sistema funciona, como falar com ele, como ele responde. É assim com a comunicação. No começo, parece simples — mas na prática, dá branco, trava, parece que não sai nada certo. E tudo bem. Porque, assim como no código, você só melhora fazendo.

Não tem mágica. É tentativa e erro. É pedir feedback, prestar atenção em como as pessoas reagem, e aos poucos ir ajustando.

Eu sei bem como é. Já fui o dev que odiava reuniões, achava que slide não era trabalho, que alinhar era perda de tempo. Eu queria era codar. Pra mim, reunião era só um atraso na sprint.

@geekcom2 via Twiter

Mas aí caiu a ficha: o código é a menor parte do trabalho. O impacto real tá em como a gente conecta ideias, transmite soluções e colabora com os outros.

E por mais que a gente não goste de admitir… essa é a realidade. A parte que muda o jogo.

O Impacto Real na Carreira

Uma coisa que eu sempre repito pra mim mesmo — e que foi, sem dúvida, a virada de chave na minha carreira — é essa frase:

[!TIP] “Quem não é visto, não é lembrado

Pode soar como um clichê, mas pra mim foi como um tapa na cara. Porque, se a gente não é visto, como espera ser reconhecido? Como espera ser promovido, valorizado, ou chamado pra liderar projetos estratégicos, se está invisível atrás de tasks do Jira?

Por muito tempo, acreditei que bastava trabalhar bem. Entregar com qualidade, entender arquitetura, ajudar o time… e que, em algum momento, isso naturalmente seria percebido. Só que o mundo real não funciona assim. Já vi colegas crescendo rápido, se tornando referência — mesmo sem serem os mais técnicos do time. E a diferença deles era que sabiam se comunicar. Tinham clareza. Sabiam explicar o que estavam fazendo, o porquê das escolhas, e se faziam ouvir.

Pensa bem: quantas vezes você já se envolveu em várias frentes ao mesmo tempo? Mentoria, arquitetura, suporte a outros times, discussões importantes… Mas, se você não souber comunicar tudo isso com clareza, muita coisa vai passar despercebida. Seu gestor não sabe tudo o que acontece. Ele não vê cada linha de código, cada call, cada ajuda informal. Se você não conta essa história, ninguém vai contar por você.

Essa frase ecoou muito para mim. “Quem não é visto, não é lembrado.” Foi exatamente essa ideia que me impulsionou a começar a escrever, palestrar e me envolver mais com a comunidade. Não foi por ego, mas porque percebi que, para conectar o valor do meu trabalho com as pessoas que podem reconhecê-lo, é preciso dar visibilidade ao que faço.

Aprendizados

Buscar referências é essencial. Ter profissionais ou pessoas que você admira para se inspirar e aprender com seus exemplos pode ser um grande aliado, especialmente quando o acesso a feedbacks é limitado. Isso nos ajuda a identificar onde podemos melhorar e até perceber erros que não tínhamos notado antes.

Quando estamos em ambientes que cultivam uma cultura de feedback, o jogo realmente muda. Receber críticas construtivas — tanto sobre o nosso código quanto sobre a forma como nos comunicamos — é fundamental para o nosso crescimento. Aprender a ouvir essas críticas de maneira objetiva, sem tomá-las como algo pessoal, mas entendendo-as como ferramentas para o aprimoramento, foi um verdadeiro ponto de virada para mim, impulsionando meu desenvolvimento em diversas áreas.

Com o tempo, ficou claro para mim que os profissionais que realmente se destacavam não eram necessariamente os mais técnicos, mas aqueles que sabiam transmitir suas ideias de forma clara e construir conexões genuínas com as pessoas ao seu redor. Esses profissionais eram, sem dúvida, os verdadeiros líderes, e esse aprendizado transformou minha visão sobre a evolução profissional.

Muito do que aprendi veio da observação de como a comunicação impactava as interações de outras pessoas e da reflexão sobre essas experiências. Deixo aqui algumas leituras que podem expandir sua perspectiva sobre o tema:

  • Comunicação Não Violenta: Técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais
    • Marshall B. Rosenberg
  • O Projeto Fênix: Um Romance Sobre TI, DevOps e Sobre Ajudar o seu Negócio a Vencer
    • Gene Kim, Kevin Behr, George Spafford

Por fim

No fim das contas, entender que comunicação é parte essencial do nosso trabalho não é sobre abrir mão da técnica — é sobre potencializá-la. É transformar conhecimento em influência, esforço em reconhecimento, ideias em impacto real. E isso não significa virar palestrante, influenciador ou alguém extrovertido que fala o tempo todo. Significa, simplesmente, ser capaz de conectar o que você sabe com o que o time, a empresa e o mundo precisam entender. Significa deixar de ser apenas mais uma engrenagem bem-intencionada no sistema, para se tornar alguém que movimenta, influencia e transforma esse sistema.

Eu sei que pra muita gente, principalmente quem veio da lógica do “só o código importa”, isso pode soar desconfortável. Mas crescimento raramente vem do conforto. E é justamente quando começamos a ocupar espaços de conversa, escuta, explicação e colaboração que o nosso trabalho começa a ser percebido de forma diferente — mais estratégica, mais relevante, mais alinhada com o todo.

A real é que ninguém cresce sozinho. E quem se comunica bem, constrói pontes. Se torna referência. Inspira confiança. Abre portas.

Então, se eu pudesse deixar uma última provocação, seria: você quer continuar sendo o dev que entrega boas soluções em silêncio, ou aquele que, além de entregar, também consegue influenciar, inspirar e liderar? Porque, no fim, o código mais poderoso que você vai escrever talvez não esteja no seu próximo PR… mas na forma como você compartilha o que sabe com o mundo.